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Essa madrugada uma amiga muito querida morreu. Eu e meus amigos já esperávamos isso, mesmo que tentando negar, por que ela estava hospitalizada e em estado grave por conta de um câncer.
Não estou triste pela perda, pois não houve perda. Se refletirmos corretamente, podemos entender o por quê a Morte é uma dádiva e não uma maldição. Há poucos dias me vi nessa reflexão e foi muito duro. Mas olhando para trás agora e analisando os raciocínios que me acometeram, percebi que o grande incômodo, na verdade, acerca da morte é o mau que advém a outrem e não a quem é recolhido. O senso fraternal, gregário e social, também conhecido como relações afetivas, nos prendem a preocupações como "como será que vai ser pra tal pessoa se eu morrer?" Ou "as pessoas terão o maior trabalho" ou "eu não tenho seguro de vida" e por aí vão os pensamentos. Claro que há aquele pensamento de "o que vem depois?" E este nos preocupa tanto quanto o nascimento a uma criança que está na barriga da mãe.
As relações que criamos no decorrer da vida, alteram diretamente em como enfrentaremos cada situação. Pequenas ou grandes, teremos que realizar escolhas constantemente, seja levantar após acordar ou comprar ou não um carro. Essas escolhas nos levam a consequências neste plano de vida e por vezes (muitas) evitamos pensar na morte. Mas pensar na Morte é também necessário. Não com medo se há ou não um depois, nem preocupado com os que ficarão.
Voltando à minha amiga, quando recebi a notícia, logo pensei em que caminhos atemporais ela estaria passando naquele momento - se é que é certo pensar "momento" numa realidade atemporal. Como estaria ela, ao ser acolhida tão alegremente pela Morte que tanto satanizamos. Aquele velho ceifador de capa preta e foice. Pode até ter essa forma, mas o que incute aqui não é quem como sujeito e sim sua função, até diria como adjetivo. Ser recebido pela Morte e ter uma boa conversa regada a um delicioso café no final de uma tarde de outono, deve ser uma das melhores partes desse processo chamado morrer. Não conseguimos imaginar outro local, senão este baseado em números e organizados sistematicamente por convenções universais que chamamos de Tempo. Mas ponha-se a pensar agora no ambiente mais bonito que puder, acompanhado de alguém que sempre lhe deu medo mas que quando você finalmente conheceu, não se lembra de já ter estado tão à vontade. Como estar próximo a um animal selvagem que você sabe que lhe atacará por instinto mas ao se aproximar de você se joga no chão pedindo apenas por carinho.
Muitas histórias, mitos e religiões tentam explicar ou confortar quanto ao processo da Morte. Seja atravessar o Estinge e o Aqueronte numa longa conversa com Caronte, seja se ver num grande tribunal, frente à um ser grandiosamente luminoso. Ou, aguardar num local acinzentado penando sem decidir "se sobe ou se desce" ou até mesmo estar num ambiente de prazer seja com sexo, drogas e coisas dessa vida.
A real é que não sabemos de fato o que ocorrerá, temos apenas suposições. Tal como aquela criança na barriga em um ambiente quente e confortável, talvez um pouco apertado à medida que seu tempo na barriga se estende e um pouco doloroso próximo ao seu fim. Ali a criança não sabe de fato que sairá daquele ambiente quente e molhado e após uma passagem bem dificultosa, chegar a um ambiente seco e frio. Mais ainda, ela descobre que esse ambiente seco e frio também é sistemático e hostil e ela passa a entender uma palavra aterrorizante chamada Tempo. Este vilão consome vagarosamente cada fração do dia daquele ser recém chegado.
Vejo muitos dos meus amigos se reportando à morte com tristeza e pesar quando na verdade o que realmente nos afeta negativamente é o egoísmo exacerbado que por vezes se revela em nós mesmos pensando "queria que ela estivesse aqui" sem considerar as condições necessárias para isso que muitas vezes traz dor a quem padece. Temos aqui então a Natureza Humana, o Tempo e a Morte. Vale repensar quem é cada um destes personagens da nossa épica aventura chamada Vida.
Bruno Santana
"Talvez seja só o que é, enquanto é."
Vou tomar como ponto de partida esta frase da psicóloga Janaína Soares. Tenho refletido nela desde que a ouvi e me coloquei a pensar muito sobre a efemeridade das coisas. Seja pela vida, por um trabalho, por uma fase ou um momento, o efêmero está sempre presente. Se pensarmos sobre a vida a partir da grandiosidade do universo, talvez tenhamos aquela impressão de ser um sopro como se diz no ditado popular. Ou, se pensarmos a partir de alguma filosofia ancestral ou religião também podemos ter esta mesma sensação. A questão é que não só a vida mas as situações que nela passamos são, de fato, efêmeras criando um “compilado” de pequenas situações. Algumas duram minutos, outras duram décadas e até mesmo um pequeno milésimo de segundo que fica eternizado em fotografias podem permanecer de diversas formas e sentimentos diferentes pelo seu registro na nossa memória, e isso vai mudando de acordo com nossa maturidade ou como estamos em relação ao mundo.
Pensar sobre como as coisas são e logo não são mais, é um pouco incomum ainda para a maioria das pessoas. Talvez seja pelo distanciamento em relação à morte e ao luto. Essa vontade de manter as coisas “por toda a eternidade” ou mesmo “até que a morte separe” é baseada na finitude mas não de forma saudável por não trabalhar a relação com o fim das coisas. E o que seria este fim?
Nós estamos numa cultura que foi majoritariamente catequizada, logo, o pensamento geral e os costumes estão baseados no cristianismo, pode não ser o de Cristo, mas é a doutrinação cristã que se criou ao longo dos séculos em defesa do colonialismo. Mas o que quero tratar aqui é o fato de querermos que as coisas durem, talvez para sempre. Penso se é válido considerar que a despeito de qualquer coisa, se deva insistir forçosamente em algo que aparentemente já acabou, como falei anteriormente, em diversas áreas da vida. Tomarei como exemplo uma relação entre pessoas. Todas as relações estão fadadas ao desgaste e algumas ao término. Aqui não digo de relações somente afetivas e conjugais mas de relações familiares, fraternais e de amizades também. Nas relações em geral há o encantamento do início, o costume da rotina e a percepção da maturidade. Neste último ocorre o fator da escolha. Mesmo que inconscientemente, em muitas relações, a escolha pode ser de permanecer quando deveria acabar ou afastar e sempre se torna abusiva em algum grau. Pode parecer que lidar com o término seja pior do que viver numa relação miserável e hoje, muitas pessoas escolhem a segunda opção justamente por não querer lidar com a responsabilidade do término ou afastamento. As causas para isso podem ser a cultura cristã estabelecida, a falta de diálogo sobre a morte e separação, o puer aeternus (criança eterna) que não quer lidar com tudo isso, ou simplesmente não ser nada disso.
Acredito que vale a reflexão sobre as relações que temos, seja ela com o trabalho e as pessoas deste, com a comunidade de fé, com o ou a parceira, amigos, símbolos e totens e outras coisas que acabamos tendo e mantendo em nossa trajetória.
Bruno Santana
Conversas virtuais, relações superficiais.
Há um bom tempo os teóricos da semiótica têm problematizado e especulado a comunicação de uma forma geral no sentido dos signos que carregam significados pra os grupos de pessoas que passam a utilizá-los a fim de compreenderem e se fazerem compreendidas. Resumindo, há diversos estudos sobre a língua, principal meio de comunicação entre as pessoas.
Por conta da generalização do uso de smartphones, a comunicação escrita torna a ser muito utilizada como meio interrelacional. Das correspondência escritas à mão às mensagens instantâneas as pessoas se comunicam através do texto escrito.
Inicialmente não é um problema quando essa comunicação tem por objetivo informar, notificar, avisar, ou coisa parecida. O real problema se dá ao tentar resolver questões através do texto escrito. Vejo com frequência o comentário de que o texto não exprime sentimento. De fato não. Pessoa A escreve com uma intenção, pessoa B lê de uma forma totalmente diferente. O texto escrito pode ser benéfico quando ele é informativo, mas formar julgamentos e decisões que afetarão a relação é um caminho perigoso. Fora que é muito mais fácil se expressar “de qualquer jeito” por texto do que na fala. O texto protege, previne, mascara e esconde o interlocutor. Vou conectar com alguns conceitos.
Primeiramente precisamos entender o que ocorre quando a pessoa começa a digitar. Nossa psique é formada por complexos que vão se construindo internamente a partir das nossas relações desde muito cedo. Isso nos gera uma série de características que vão sendo mais atenuadas de acordo com o ambiente que estamos ou com quem relacionamos. Dois deles são essenciais nesse contexto. O ego que é o complexo que mais se revela na consciência e a persona que é a forma que o primeiro encontra de se relacionar com o mundo. Ambos trabalham para que compreendamos o funcionamento das relações. O ego, porém, se revela mais quando a persona se resume a letras e emojis o que nem sempre pode ser uma coisa que vá trazer benefícios.
A segunda coisa a compreendermos é que tudo que falamos é mediado pelo ego que foi criado a partir das nossas experiências, traumas, relações, fatores positivos e negativos. Além disso temos outro elemento que tem grande participação de forma velada, que é a sombra, que apenas dá sinais, mas não se revela inteiramente porque é conteúdo inconsciente.
Tudo isso pode parecer um pouco difícil de entender mas na prática, tudo que você escreve está repleto de você nas instâncias que você conhece e nas que não.
Quando passamos a estabelecer relações interpessoais através de mensagens de texto, geralmente um fator importante, que é a emoção, falta para que aquele texto seja inteiramente comunicado. A confusão se estabelece no exemplo dado anteriormente com as pessoas A e B pelo fato de B entender de acordo com suas experiências de vida o que A escreveu a partir das próprias. São pessoas diferentes que até podem ter crescido ou passado maior parte da vida convivendo no mesmo ambiente mas a forma de escrita/leitura sempre serão diferentes.
Sobre informar, notificar e etc, por mensagens é um modo seguro de uso das redes sociais mas que hoje em dia tem ficado em segundo plano em nome da otimização do tempo.
Quando falo sobre relações superficiais estou argumentado que as relações não podem ser aprofundadas por meio do texto. É como se afogar quando a água bate no tornozelo. Mesmo que o nível de relação presencial seja um oceano, as conversas virtuais sempre serão as espumas que batem nos pés. Se afogar nessa espuma é gastar um mar de energia sendo que tudo se resolveria facilmente pisando em terra firme.
As relações sempre serão mar e virtualidade sempre será a espuma que bate no pé. As relações mais próximas sempre são as mais prováveis de nos afogar, por isso é importante que elas estejam num local seguro. Determinar assuntos para uma conversa presencial é um bom caminho. Mesmo que esta percepção venha já no alto estresse de uma conversa textual acalorada, é possível uma pausa pra dizer “podemos conversar sobre isso mais tarde?” Ou “podemos conversar pessoalmente sobre este assunto?”
Ultimamente as vídeo chamadas tem sido outra alternativa. Não aprofunda por que faltam elementos relacionais, mas já avança na praia até onde a onda quebra.
Vamos falar um pouco sobre a ansiedade?
Primeiro precisamos entender que ela faz parte do nosso “aparelho de sobrevivência”. É como o “sensor aranha” do homem-aranha, que avisa que algo pode acontecer. E realmente isso nos salva na maioria das vezes. Aquele tão conhecido frio na barriga inexplicável que às vezes sentimos em situações boas ou ruins. Frio na barriga, falta de ar, tontura, formigamento… enfim várias sensações ao mesmo tempo.
O problema acontece quando esses acessos ocorrem sem motivos aparentes ou até mesmo com uma frequência maior que a considerada normal (que no caso é na imediação de um fato importante).
Hoje é muito comum as pessoas se queixarem de sentir ansiedade sem causa aparente. Todos os sintomas que citei antes e mais um pouco. O que precisamos estar atentos é com a frequência que isso acontece, pois a partir disso podemos entender melhor se é patológico ou não. Atestar ou diagnosticar nem sempre é o melhor caminho - pode servir para reconhecimento, identificação e resolução ou acomodação. A diferença é que quando se busca a resolução, o diagnóstico é apenas uma forma a se referir ao que sente. No caso da acomodação, o diagnóstico serve como uma armadura onde a pessoa sempre recorrerá para se proteger do mundo. Estes acessos podem ocorrer com qualquer pessoa em qualquer idade fazendo terapia ou não. Uma causa a se considerar é o quanto guardamos coisas dentro de nós e, muitas vezes, nem nos damos conta que ela está lá. Assim a “coisa” não tem pra onde fugir e vai se mostrar através de um acesso de ansiedade.
A terapia é importante para identificar essas causas que não percebemos. Não podemos esquecer também que mexer nas feridas dói, pode despertar ansiedade e outros aspectos, mas há uma diferença enorme entre mexer numa ferida para tratá-la e deixar ela abafada sem cuidar, infeccionando. Em algum momento a ferida não tratada vai causar uma ruptura e é muito mais complicado tratar.
Por fim, a ansiedade não é uma inimiga nem vilã. Ela está lá para nos avisar de perigos, sejam eles imediatos e físicos ou sensitivos e intuitivos. Sentir “do nada” muitas vezes é porque esse perigo está crescendo e ganhando força dentro de nós acumulando energia psíquica não restando energia para outras atividades. É importante sempre nos atentarmos às causas.
Bruno Santana
Escrever pra mim, é mais que uma segunda linguagem, porque não fala apenas sobre aquilo que quero escrever ou sentir, mas sobre vários tantos outros “eus” que estão presos dentro de mim e encontram nessas palavras uma forma de se manifestarem. Por muito tempo eu me privei de escrever por me privar de ser eu mesmo, e aos poucos eu venho percebendo que a escrita é uma conversa comigo mesmo, como um quadro branco em que o mestre pintor pinta. Selecionando as cores, a pressão, o tom, a textura, etc. Para mim, escrever não é simplesmente a junção de varias palavras para trazer um significado à luz da consciência, mas trazer à consciência a luz do inconsciente, perturbado pela pressão de fora para manter-se lá, enjaulado, quieto, inerte. O problema, é que isso nem sempre (ou nunca) funciona. Somos regidos muito mais por aspectos inconscientes que se pode imaginar, e todos esses elementos que em vã consciência tentamos aprisionar, têm vazão por tantos outros meios que nem sequer imaginamos ou prevemos, como o escoar da água entre os dedos, o transpirar, o piscar, o palpitar, o sentir. Não importa a força que façamos, estes eventos perdurarão até o dia de nossa saída desse mundo. Não me atrevo a dizer morte, pois acredito que somos seres energéticos tendo uma experiência carnal, pois então, nada é a morte se não uma transição de um estado para outro. E o fazemos a todo momento. A todo momento estamos mudando de um estado para outro, seja de humor, de pensamento, de maturidade, sabedoria ou de lugar. Mas popularmente a palavra “morte” implica o fim de algo, por tanto, não me atrevo a falar que morremos, já que não temos fim, tão pouco início. Temos processo, meio, agora. Temos, estamos, somos. Se não aqui, em outro lugar, seja este lugar onde quer que seja neste vasto infinito igualmente sem início ou fim – ao menos que a nossa vã e atual consciência carnal nos possa conceber.
Já visitei vários lugares, conheci inúmeras pessoas e aprendi centenas de lições – tantas outras ainda por aprender que a teimosia me priva – e eu sempre penso no poder das palavras. Uns acreditam que a palavra tem poder, que uma palavra proferida e uma flecha lançada não voltam. Outros acreditam que a palavra é somente um conjunto de letras que formam um significado e que seu entendimento está mais no campo da interpretação que da intenção. Já visitei estas duas ideias e tenho sentido para as duas. No entanto, tenho me inclinado mais recentemente – e um filme de ficção científica chamado “Arrival” me ajudou muito a formar este raciocínio que venho seguindo – a acreditar que nossa comunicação não se limita a palavra, assim como uma intenção não se limita a nossa ação. Muitas vezes, quando não dizemos nada, dizemos tudo. Muitas vezes quando fazemos algo, quer dizer muito mais que quando falamos algo no mesmo sentido. Culturalmente parece que quanto mais falamos algo, menos sentido aquilo faz para nossos ouvidos – ou coração. A comunicação está no olhar, no tocar, no ouvir, no agir, no fazer, ou no negativo de todas elas. E a maior comunicação que existe na nossa existência, porém é proporcionalmente oposta a nossa relevância para ela, é a comunicação de nós para nós mesmos. A comunicação do mundo interno para o mundo externo. Meu mundo interno e meu mundo externo. Quando sentimos dor, quando sentimos frio, quando sentimos amor, quando sentimos falta. A falta. Falta tanto para aprendermos sobre nós mesmos que ficaríamos espantados com a magnitude do nosso “ser” que habita sorrateiramente em nós.
Ultimamente eu tenho aprendido a lidar com a minha falta e a falta que sinto de coisas que não tive ao longo da vida. O poder da resiliência de entender que com a falta a gente lida, e que não há preenchimento para isso, pois falta. Não há reposição, não há troca, não há tampa. Só falta. O mais interessante que venho descobrindo é que a falta não dói, pois o que dói é não conseguir preenche-la. É não admiti-la, é não aceita-la. A falta está ali, é natural e o que é natural não tende a doer. A dor vem da tensão que pomos para alterar aquele estado atual baseado na nossa expectativa de ser diferente. Da cobrança de no impormos algo ideal e igualmente inexistente, ilusório. A falta falta. Somos o paradoxo da incompletude. Somos completos por estarmos incompletos. Nosso todo é faltante e isso é tudo. Ninguém há de preencher, pois ninguém é peça de quebra-cabeça, mas todos somos o próprio quebra-cabeça de peças faltantes. O fato de estarmos com um espaço, não significa que estejamos incompletos. Ele esta completo em si, mas nosso desejo de preencher o que chamamos de buraco nos dá o raciocínio ilusório e construído da completude ideal e que no real não existe. Você não olha para um quadro e diz que está faltando um sol, um barco ou um pássaro. Ele está completo em si. Aquela é a história dele, aquele é seu conteúdo. O espaço, o vazio também é conteúdo. Contém o vazio, contém a falta e é isso que o completa, é isso que ele diz, é isso que ele quer dizer. A falta o completa.
Eu gosto do exemplo do quadro, pois consegue exemplificar muito bem a minha interpretação da vida e a forma como nos comunicamos consigo e com o mundo. Em matéria somos igualmente uma tela branca, com um espaço infindável de possibilidades para criar, desenvolver e dar vida. Por trás há um mestre pintor que carrega sua história, seus sentimentos e intenções baseados nas suas vivencias e isso será um grande fator de como este quadro se formará em seu processo de descoberta (articulo aqui sobre “descobrir” por acreditar que não criamos, mas descobrimos, pois tudo já existe dentro de nós e estamos apenas acessado, mas isso é pauta para outros ensaios). Nossa alma está conectada a nossos ancestrais e essa é a história do mestre pintor. Então somos sim um quadro em branco, mas cheio de energias e intenções por trás. O tamanho do quadro, os elementos e cores são baseadas no nosso momento histórico, nas nossas vivencias e o que a vida nos oferece para usarmos neste quadro. Teremos vermelho se nos for dado o vermelho, teremos o verde e o branco se assim nos forem oferecidos. Agora o que faremos com essas cores ofertadas, é de nossa escolha. A cada segundo, pincelamos algo novo neste quadro. Cada vivência, cada dor, cada carinho, cada luta, cada luto, preenchendo até a falta que falta. As vezes olhamos bem de perto para valorizar aquele detalhe, aquele momento, aquela ação. As vezes nos distanciamos para enxergar o todo, ou as vezes viramos o quadro para termos novas perspectivas do mesmo, sempre pincelando algo novo a partir do que vivenciamos. E é no dia de nossa partida que assinamos o quadro, aí sim, dando fim – definindo – a obra. Não podemos nos definir como nada enquanto estivermos aqui vivendo, pois ainda há muito espaço para pintarmos e mudarmos, quem sabe, toda a perspectiva deste grande quadro branco que somos. Definir é dar fim e o fim ainda não é agora, ao menos pra mim.
Posso muitas vezes me sentir preso, vazio, faltando, monótono, cansado, estagnado ou perto do fim, mas tudo isso são apenas momentos e pinceladas que escolhi dar com as cores que me foram ofertadas naquele momento. Elas fazem parte de mim e de quem estou sendo.
Perceber que tenho total responsabilidade – e não obrigação ou cobrança – de e por ser quem estou sendo, trouxe pra mim muito mais calma e leveza nas escolhas e na forma que caminho por esta tela, pois aprendo sobre meu tempo, meu espaço, meus sentimentos e não dependo de ninguém para o ser/fazer. Eu quem decido como agir e reagir, como enfrentar ou não, como decidir ou não, como fazer ou não. Eu sou de minha responsabilidade, pois ainda que a vida escolha as cores que utilizarei em meu quadro, é em minha mão que o pincel está. Eu escolho. Não posso pintar meu quadro de preto e dizer que a vida quis assim. Sim, ela pode ter me dado só o preto naquele momento, mas não foi ela quem pintou. Posso ter calma, deixar o tempo passar e encontrar novas cores para pintar.
Me aprender, pois o quadro – inconscientemente – já existe em nossas cabeças, apenas damos à luz nesse campo do espaço e do tempo e acho que é aí que entra a sincronicidade. A capacidade do universo nos dar aquilo que precisamos no momento em que precisamos. Como se o mestre pintor pudesse se comunicar com todos os outros pintores e cada um fazer seu quadro que no fim formaria uma outra grande obra igualmente – mas em outra escala – chamada vida.
As vezes temos pressa de conseguir a cor dourada, o amarelo ou o azul, mas talvez essas cores ainda precisem de bases para se sustentarem firmes na tela. É preciso o pano de fundo, o fundamento, a base, o chão, o alicerce para aquilo que virá ao plano de evidência, a figura sobre o fundo. Assim é nossa vida, assim são as cores, contraposições, jogos de opostos, tensões opostas que se complementam para formar o todo em equilíbrio. Poder dizer sem qualquer palavra escrita, tudo aquilo que se entende sem precisar ir pro campo da razão, da lógica, e ainda sim, ser uma linguagem. A linguagem da alma. Aquilo que é verdadeiro e essencial à nós.
As palavras tem campos de força. Onde ela carrega o signo, ou seja, o que ela significa, o campo do que o interlocutor quer dizer com ela através dos seus pensamentos e sentimentos, o que ele verdadeiramente diz – e que vagamente é passado – através de suas intenções com ela e, por fim, o que o receptor recebe, baseado na sua interpretação do significado da palavra em si, baseado na sua interpretação do que o interlocutor quis dizer, baseado no que o receptor acredita sobre o interlocutor e sobre o que o receptor gostaria de receber perante todas estas interpretações.
Entre tantos campos de força que existem numa única palavra, a complexidade baseada simplesmente nas palavras seria completamente inviável. Por isso e por tantos outros motivos eu compreendo a energia da empatia como energia fundamental da comunicação e do amor, pois é através dela que você suspende todos estes campos racionais e rasos da interpretação e se liga diretamente com o interlocutor, sem passar por esta vasta ponte de telefone sem fio. E é aí onde entra meu encanto pelo filme A Chegada (Arrival, 2016) do grande mestre cineasta Denis Villeneuve. O filme retrata uma comunicação avançada baseada não em palavras, mas naquilo que o interlocutor verdadeiramente quer dizer, sem qualquer ruído entre eles – interlocutor e receptor, sem espaço, sem tempo, sem razão, sem interpretação. Apenas é. A mágica de poder comunicar aquilo que se é, é algo, acredito eu, que poucos conseguem – e me incluo nesse percentil.
Escrevi quase 2 mil palavras para tentar comunicar meus ensaios sobre a “comunicação” e tenho certeza de que pouco ou quase nada será devidamente integrado ou sequer chegará de forma clara e tão lucida como o é para mim no momento.
Encerro trazendo algumas reflexões do pai da psicologia analítica, Carl Gustav Jung no que diz respeito o autoconhecimento, voltando a linha de pensamento nos primeiros momentos deste ensaio sobre a comunicação de nós para nós:
Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino;
O homem que nunca cruzou o inferno de suas paixões, nunca os superou;
As pessoas fazem o que for, não importa o absurdo que seja, para evitar o confronto de sua própria alma.
Felipe Coelho
Nos últimos dias as pessoas se depararam com uma pessoa pública se poupando para cuidar da saúde mental. A atleta conhecida mundialmente decidiu se abster do desgaste psicológico da competição e do peso de carregar um título. Já dizia o Tio Ben:
“Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades.”
Os títulos são uma coisa interessante. As pessoas depositam nas outras e logo criam expectativa de que ela vai fazer/ser tudo que se espera. Essa expectativa externa, se internalizada, se torna um problema. Por mais que se tente, não existe a remota possibilidade de se cumprir as expectativas dos outros depositadas em você, então é algo muito perigoso.
Quando Simone Biles, que é considerada uma das melhores ginastas do mundo, se nega a seguir na maior competição do mundo, muita coisa precisa ser revista. Desde o sentido da competição para definir “um melhor” - que é um pensamento eurocentralizado pautado no subjugamento do outro, até o negar cumprir com um papel que não serve mais.
Vamos falar por partes. O ponto que quero tratar é o que falei anteriormente. Se colocar na expectativa do outro como sendo/fazendo o que este espera. Para facilitar a compreensão vou escrever como se isso fosse com você.
Quando seus pais engravidaram de você, muito provavelmente incutiram no seu sexo biológico o gênero sociamente aceito. Se nasceu biologicamente homem, deve seguir o que um homem é na definição de não sei quem e não sei quando. Na verdade, sei. Estamos numa cultura predominantemente judaico-cristã que acaba por definir diversos conceitos não problematizados no próprio gênero. Não é por que se nasce biologicamente homem que você é um homem cisgênero. O mesmo vale para mulheres que por sua vez “vem de fábrica” com uma lista imensa de medos, proibições, afazeres e responsabilidades (enquanto os homens precisam aprender a mirar onde mijar). O que ocorre é a rotulação gerando a médio e longo prazo uma identidade compulsória, ou seja, você nasce e automaticamente é carimbado por todos os rótulos que seu sexo biológico carrega. Se nasce mulher, tem que ser cisgênero, heterosexual e monoafetiva, com o tempo essa lista vai aumentando pra submissa, recatada, do lar e etc. A lista é imensa e você sabe disso. Se nasce homem, tem que ser cisgênero, heterosexual e monoafetivo também e de igual forma, com o tempo, vão se acrescentando outros adjetivos, mas bem diferentes das mulheres sem deixar de ser prejudicial. Quando você não sabe o que realmente sente e fica no compulsório, ou seja, que te foi entregue mesmo sem você entender o que era, a maioria das pessoas acreditam ser o que o rótulo diz que são, chegando a pontos críticos quando se deparam que não são o que a maioria da sociedade espera. Este é só um exemplo dos infindáveis rótulos que recebemos durante uma vida.
No fundo não há problema em receber um rótulo, em alguns casos é até bom para se sentir parte de um grupo, mas tornar-se este rótulo é perigoso. Assumir sem reservas o que foi imputado para que você seja/faça é um problema imenso. Na psicologia analítica denominamos Persona que é, como o nome diz, um personagem que criamos para lidar com o mundo. Este personagem é uma espécie de camada de proteção e relação. Proteção para o ego e uma forma de facilitar a relação com as pessoas.
Muitas vezes é ótimo receber elogios e ser reconhecida(o) pelos seus feitos, mas a armadilha de cair no ser o que se faz é um ponto que precisa de atenção. No caso que citei da Simone Biles, a Rebeca Andrade, em entrevista à Globo, em poucas palavras explicou o óbvio: “Antes de sermos atletas, somos pessoas” (parafraseando) e isso vale para mim, para você, para todo mundo. É muito óbvio mesmo pensar nisso mas, na real, é bem difícil as pessoas pensarem em quem são sem colocarem o que fazem no meio. Aí entra o fator da expectativa social. Todo o processo de industrialização e capitalização econômica gera essa pressão do “o que você vai ser quando crescer” na criança na esperança que ela responda a escolha de uma profissão ou carreira a ser seguida ou desempenhada.
Voltando ao que falei lá no início e indo para o final, é preciso que haja uma reflexão interna muito sincera para poder se desprender, ou pelo menos, identificar o que é essência e o que é expectativa dos outros. Sua essência vai sempre estar aí, mesmo que ela pareça ter desaparecido num emaranhado de “sei lá, to perdida(o)”. Já a expectativa vai entrar num processo de aumento desumano sempre te cobrando mais e esperando mais e ainda assim reclamando quando você não atinge. Falo isso no âmbito social, mas não só. Nas relações acontece muito de se criar expectativas de quem é o outro e se decepcionar quando este não atinge o esperado.
Pense um pouco sobre isso, descubra sua essência e viva integralmente quem você nasceu pra ser sem o peso da expectativa alheia em todas as áreas da sua vida.
Bruno Santana
“...É o despertar que entende o sono e não o sono que entende o despertar.”
LEWIS, C.S.: Perelandra.
Essa frase faz parte de uma história ficcional do autor citado mas acredito que vale uma ampliação do conceito implícito nela. Isso me lembra uma das passagens de C.G. Jung em que ele fala sobre a consciência e o inconsciente, mas já chegaremos nisso. Primeiramente, vamos refletir sobre a frase e no que ela nos propõe pensar, depois falaremos um pouco sobre os conceitos da psicologia analítica e por fim concluirei com algumas questões.
Quando pensamos ou falamos de sono e sonhos há sempre o desafio de não estar acordado para entender o que acontece nesse processo de transição. Obviamente existem pesquisas sobre os dois assuntos em diversas abordagens, mas entender o próprio sono e os próprios sonhos é um desafio. Muitos recorrem à internet a fim de “interpretar” os sonhos ou até mesmo utilizam aplicativos de celular para monitorar as horas de sono. No fim das contas, no âmbito pessoal, entender o sono e os sonhos é bem difícil. Agora pensando um pouco sobre o que Lewis nos propõe com sua frase, nos soa como uma coisa muito óbvia se pensarmos de forma literal e física, mas se considerarmos seu significado mais subjetivo vamos chegar a outras conclusões ou, ao menos, reflexões. Só podemos perceber que estávamos dormindo se acordarmos. Simples, não? Mas subjetivamente, qual a real necessidade de expor tal pensamento? Será que essa reflexão pode ser feita para questionarmos nossa existência? Se esse for o caso, podemos compreender a frase como o dito popular “enfiar os pés pelas mãos”. Em tempo, se esse for mesmo o caso, podemos entender que está falando sobre ansiedade, sobre querer entender algo antes de ter a real compreensão. Ora, se caminharmos por essa reflexão, então fica mais compreensível o que não podemos fazer. Se é impossível que o sono entenda o despertar, quer dizer que há uma etapa a ser seguida para que haja outra a ser vivida. Isso nos leva a pensar mais profundamente sobre processos.
Pensando sobre esse contexto dentro da perspectiva da ansiedade faz sentido falarmos sobre processos. A ansiedade pode ser compreendida como a vontade de pular algumas etapas (geralmente trabalhosas) e chegar a um final utópico como se pudéssemos vivenciar os resultados de algo que não foi iniciado. Assim, é impossível saber o final de algo que não começou, ou, entender o despertar enquanto se dorme.
O sono nos deixa num estado de inconsciência e é aí que o inconsciente consegue entrar em contato com a consciência, através de símbolos.
A consciência origina-se de uma psique inconsciente, mais antiga do que a primeira, que continua a funcionar juntamente com a consciência ou apesar dela. (JUNG, C.G. 2002 p.274)
Jung fala sobre conseguirmos entrar em contato com o inconsciente através da consciência e assim caminharmos para a compreensão mais completa de nós mesmos. Definindo como processo de individuação, ele resume como o “tornar a ser o que sempre foi” (cf. JUNG, 2002. P.49). Ou seja, quanto mais compreendemos nosso mundo interno, mais nos aproximamos de quem sempre fomos. Estes termos e conceitos da psicologia analítica servem para nós terapeutas, mas conhecer o básico deles ajuda a nomear alguns sentimentos internos.
Voltando à ansiedade e aos processos, acredito que podemos compreender melhor o sentimento dando alguns nomes. Para facilitar mais ainda, vou exemplificar. Digamos que você, esta noite teve um sonho. Nesse sonho você experimentou sensações que permaneceram latentes até te acordar. Acordada(o) você passa a pensar sobre os acontecimentos do sonho que logo vão se misturar à sua memória recente, assumindo formas ou desaparecendo de vez. Nesse meio tempo nossa frase lá do começo já fez sentido. Você só vai entender a sensação do sonho agora que despertou. Como é um processo natural do nosso corpo, simplesmente aceitamos e seguimos. Agora vamos levar para o processo mental. Você tem um pensamento em relação a algo que vai acontecer amanhã. Essa coisa te preocupa (pré-ocupa) a ponto de gerar sensações físicas, tal como um sonho ruim. Você só vai conseguir processar racionalmente e sair desse transe da preocupação quando despertar para o fato que o futuro ainda não aconteceu e ninguém pode garantir que ele aconteça. Se, por acaso, você consegue racionalizar isso, é como despertar de um sono profundo, ou seja, dentro da nossa compreensão até aqui, você só será capaz de refletir sobre o assunto quando estiver desperto acerca dele.
Tudo isso tem muito a ver com o que falamos de consciência e inconsciente segundo a visão junguiana e podemos compreender o funcionamento do processo terapêutico. Muitas vezes as pessoas pensam na terapia como um processo mágico que em duas sessões vai trazer cura quando na verdade esse processo demanda esforço e análise. Demanda um despertar, logo, só é possível entender quem você realmente é quando souber quem você realmente é e não antes de perceber, conhecer e integrar a si mesmo.
Bruno Santana.
Referência
Jung, C.G. Vol. IX / 1 – Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 2002. Capítulo 2
É saudável abrir um espacinho da vida para uma nova relação, se isso é o que procura. Somos seres coletivos e precisamos das relações. A prova disso é a sociedade que criamos, com todas suas vantagens e problemas. Isso se deve ao viver coletivo que resultou em diversas teorias filosóficas e, principalmente, políticas. Tudo gira em torno da aceitação e, por conseguinte, a felicidade. Aristóteles aponta isso quando fala sobre o assunto e a moral. No caso, moral branca eurocêntrica. Se nos inclinarmos um pouco sobre onde a civilização começa, facilmente sabemos que é em África, logo é necessário considerar o que se tinha de compreensão política em Kemet, ou como chegou a nós, Egito. Nogueira citando Castiano, diz:
“Anta Diop aponta como sendo características comuns de toda África o matriarcado, a espiritualidade, o humanismo e o pacifismo” (NOGUEIRA, Renato, p.142, 2013)
Nisso podemos até nos perguntar em que ponto a história “virou”. Quando deixamos de ser espirituais, pacíficos, humanos e matriarcais? Recuperar essa sabedoria é importante para chegarmos a novas conclusões político-sociais. O que isso tem a ver com nosso tema? Tudo. Afinal toda relação é política. Toda relação demanda pedido, aceitação ou negação, toda relação busca algum tipo de conforto ou felicidade. E o caminho para essa conclusão é o nosso tema central, a comunicação.
A semiótica é uma ciência que nos ajuda a esmiuçar o tema, mas não nos aprofundaremos muito nela. Basta compreender que “A” só é “A” porque aprendemos que assim o é, ou seja, comunicador e ouvinte conhecem o código, logo ambos conseguem compreender a mensagem. Isso vale para as palavras, conceitos e costumes. Podemos seguir, lembrando que falarei em termos gerais e farei alguns apontamentos em relação à psicologia analítica.
Entender a cis heteronormatividade (o normalizado é ser hetero e se identificar com o sexo biológico) é o primeiro passo a ser dado quando o assunto é relação. Com a propagação da doutrina cristã se criou o raciocínio coletivo de que o certo é uma relação heterossexual e monogâmica e todas as pessoas se identificam psicológicamente com seu sexo biológico. No ideal cristão não existe homossexualidade nem relações polígamas (expostas). Todos vivem e sentem igual a tudo e a partir disso existe a concepção errônea de pecado. No real é diferente, cada pessoa sente e percebe o mundo de um jeito a partir dos seus complexos internos, histórico de vida, cultura pessoal, familiar e coletiva e compreensões de mundo. É muito plural para ser singular. Com o ideal e o real nas mãos podemos caminhar para alguns questionamentos internos e coletivos. Questionamentos simples mesmo como por exemplo: Eu sou hetero? Eu sou monoafetivo? Quais são minhas preferências sexuais? Relaciono sexo com outros tipos de relações? no âmbito coletivo podemos perguntar: Será mesmo que todos se identificam com o sexo que nasceram? será que existem outras possibilidades de relações que não cis heteronormativa? Será que sou atravessado pelo sexismo dentro de uma relação? e por aí vai. Os questionamentos internos e externos são muitos e frequentes. Precisa sim de uma auto análise diária. No espectro heteronormativo todas as relações vêm de “fábrica” com acordos pré-estabelecidos e estes são bem conhecidos: Monoafetiva - é só uma pessoa e outra, sem terceiros (em alguns casos abusivos, sem amigos, sem família), heterossexual - precisa ser um homem e uma mulher, segundo a visão machista de mundo - no geral o homem decide as coisas e só ele tem orgasmos. Estes acordos não são ditos mas na maioria das relações, seguidos à risca. Talvez um ou outro não, mas sempre vão aparecer em alguma proporção.
Fora deste espectro podemos expandir a discussão. Não para impor outro tipo de padrão para as relações, mas para trazer à reflexão se de fato, é isso que a pessoa quer ou que a faz feliz. Essa discussão é interna. Se cada pessoa pensar profundamente como sente e o que sente, facilita muito quando esta entra numa relação. Ela passa a não aceitar certas coisas e a avaliar outras e aqui voltamos à compreensão política da coisa. Se sei o que quero e não quero, posso ponderar com mais propriedade as decisões que fazem uma relação acontecer de forma saudável sem a sensação de não estar sendo ouvido ou sendo abusivo. Lembrando que a visão aristotélica de política é encontrar a felicidade individual e coletiva sendo, em sua compreensão, que a coletiva sobrepõe ao individual. Assim, o caminho para as relações é o diálogo. Isso é muito óbvio, toda relação precisa de diálogo. Mas é urgente pensarmos a qualidade e profundidade desses diálogos.
Os acordos numa relação geralmente não são pontos de conversação entre os casais. Perguntas simples e respostas sinceras sobre um plano de vida. Algumas pessoas optam por manter relações longas, outras preferem relações mais passageiras. Claro que ambos estão em suas esferas psíquicas e não podemos afirmar que tal escolha é por isso ou por aquilo, apenas supor caso a caso e explorar em terapia. Conversar sobre conteúdos individuais pode ser um caminho mais saudável do que estar suportado por um padrão compulsório, ou seja, não decidido pelas pessoas da relação, aqueles que citei anteriormente. É essencial que após (ou mesmo antes) da escolha de uma relação afetiva exista esse diálogo sobre as preferências. Deixar claro quem se é e o que se espera. Isso evita muitas feridas que podem aparecer depois de muito tempo de relação quando as vidas já estão tão intrínsecas que a separação demanda muito mais esforço e dor. Estou falando essencialmente de relações afetivas na esfera do namoro ou casamento, seja entre duas ou mais pessoas, mas também é importante que essa reflexão entre na esfera da amizade onde muitas coisas podem se misturar e não ficarem claras.
As relações de amizade tropeçam em alguns pontos que talvez não sejam claros. O mesmo que já foi citado anteriormente, a dificuldade em dialogar sobre o que é e o que se espera. Novamente, não existe um padrão de relação, o que existe é a liberdade e autoconhecimento das pessoas envolvidas numa relação. Assim, é importante saber que tipo de relação se cria. Alguém pode perguntar sobre sexo na amizade; a resposta é simples, ambos querem? ambos têm a compreensão parecida do que está rolando?
Independente da forma em que a relação se manifesta (namoro, amizade, casamento, forma não nomeada) é essencial que haja um diálogo entre as partes envolvidas para saber o que é e o que não é, como se sente e como deixa de sentir. Tudo isso se resume ao quanto cada indivíduo se conhece e está aberto para o diálogo. Levar uma relação conforme o normalizado socialmente pode funcionar por um tempo, mas não é novidade que com ela muitos problemas vem junto. Problemas nomeados também: ciúmes, traição, auto estima, impotência, abusos e violências. É urgente que falemos sobre nossas relações. É urgente que também falemos sobre nós mesmos. É urgente que tomemos providências. A terapia é um dos caminhos. Tal qual a religião que exige certa forma de relação funciona para algumas pessoas é totalmente disfuncional para outras e isso precisa ser dialogado, precisa ser compreendido.
Bruno Santana
Referência
NOGUERA, R. Ensaios Filosóficos, Volume VIII – Dezembro/2013 - http://www.ensaiosfilosoficos.com.br/Artigos/Artigo8/noguera_renato.pdf acesso em 24/11/2021